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Previdência complementar deve rever sua estratégia pós-cenário de pandemia mundial

8/5/2020

A aprovação da reforma previdenciária, cujas regras flexibilizaram a relação de trabalho, iniciou muitas mudanças que divide opiniões entre os que defendem e os que criticam a terceirização. Se antes as pessoas já se preocupam com planos de previdência, isso se tornou mais evidente, já que pelas novas regras a aposentadoria pela previdência social se tornou mais distante. O home-office, trabalho à distância, já adotado por algumas empresas começava a ganhar novos adeptos quando a crise pandêmica do coronavírus se instaurou e foi nesse contexto, que de repente, o que já estava em curso foi adotado abruptamente para manutenção econômica mínima das empresas, uma verdadeira quebra de paradigmas.

E a previdência complementar, onde entra nisso? Será que os planos devem continuar com visão a longo prazo ou repensar uma lógica mais próxima de atender o participante quando ele passa por alguma crise, como a que estamos enfrentando atualmente com o coronavírus? Qual o papel da previdência diante dessa crise atual e das próximas que podem ocorrer? É para provocar essas reflexões que conversamos com Felinto Sernache, da Willis Towers Watson, e Conselheiro da APEP. Confira:

APEP: O cenário que estava em curso pós aprovação da reforma previdenciária foi então acelerado pela crise mundial da Covid19?

Felinto: Em algum grau, as empresas estavam avançando seja nessa reflexão, seja na execução dessa reflexão de enxergar o mercado de um outro jeito e não mais como antes, do trabalhador in loco full time e quando a crise se instalou, o planeta foi “forçado” a trabalhar de casa. Foi uma quebra de paradigmas que um evento sanitário trouxe para a sociedade e isso interferiu diretamente na relação de trabalho, porque aquela empresa que até então tinha alguma resistência em olhar esse modelo novo que se apresentava pela legislação de flexibilização da forma de trabalhar,  passou a ter que aderir sob pena de não entregar os seus trabalhos, seus produtos e não manter sua empresa funcionando.

APEP: E essa mudança no processo de trabalho foi causada pela entrada de uma geração de jovens mais conectados digitalmente no mercado de trabalho ou foi uma necessidade do próprio mercado em enxergar que o modelo “tradicional” estava obsoleto?

Felinto: Considero que essa mudança tem um tripé formado primeiro pela tecnologia, fator chave. As empresas perceberam que poderiam mudar processos até então feitos por humanos ou máquinas. Por exemplo, escritórios de advocacia que tinham muitos funcionários para pesquisar informações sobre processos e procedimentos judiciários, hoje conseguem fazer em segundos por meio de um programa ou aplicativo.

O segundo fator foi a economia gerada com essa substituição que foi percebida pelas empresas. E em terceiro, tem a ver com os Millenials sim, essa geração Z, que está entrando no mercado de trabalho e que não está disposta a dar o esforço que as gerações anteriores davam. Esse contexto de mercado, das empresas e da sociedade levou o governo a propor uma nova legislação.

APEP: As empresas que não estão devidamente preparadas tecnologicamente podem sofrer impactos negativos?

Felinto: Essas empresas tendem a recorrer a algum investimento, ou seja, literalmente “correr atrás do prejuízo”, no entanto, por conta de toda essa situação de crise, muitas não vão conseguir investir em tecnologia nesse momento. As empresas que não cogitavam essa flexibilização das relações de trabalho, acabaram sendo empurradas para essa reflexão por conta das medidas que o governo e o ministério da economia adotaram. Esperamos que seja por um curto prazo, que seja bom para esse momento de “travessia” da crise, e que depois a economia retome o seu curso.

APEP: E o papel da previdência complementar nesse contexto?

Felinto: Não será o mesmo e é essa a principal reflexão que quero pontuar aqui. A previdência complementar no Brasil foi construída para pensar e para prover subsistência das pessoas no momento da sua aposentadoria, portanto ela preza pelo futuro. Mas, diante de todo esse cenário, será que a previdência complementar e os planos de previdência não deveriam ser além de um instrumento em adição aos movimentos da organização, um instrumento de subsistência das pessoas quando elas precisam desse recurso antes da aposentadoria?

O que que eu estou vendo nesse momento é que as pessoas que estavam trabalhando e que acabaram de ser demitidas, a previdência deveria ter um papel diferente, não só de olhar com essa visão prospectiva do fundo de pensão, mas para essa necessidade imediata. Essa é uma reflexão que a crise antecipou pra nós.

APEP: E isso cabe também, por exemplo, a oferta de previdência para um público mais jovem que tem uma visão mais imediatista?

Felinto: Essa é uma questão que já vinha sendo discutida, porque a gente já tinha percebido uma mudança na dinâmica de contratação das empresas. Então o que a gente adiciona é o papel da previdência de repensar a “previdência complementar” para esses jovens que estão ingressando no mercado de trabalho. Isso vale também para quem já está investindo há alguns anos e vai continuar por mais um tempo, mas que pode estar exposto a um novo desvio de rota provocado por novas crises, como a que enfrentamos agora.

APEP: Essa questão passa também pela educação financeira e em como as pessoas vão sair diferentes dessa crise e em como vão se posicionar quanto a poupar e investir?

Felinto:  Em casos extremos, o participante pode ter sido demitido, não ter condições básicas de subsistência e é preciso pensar nele, em como auxiliá-lo nesse momento. Porque outras crises devem vir. A nossa sociedade está voltada para um consumo imediato e temos a chance de sair dessa crise com um aprendizado forçado, tal como a formação de alguma reserva para emergências. As pessoas não vão ser as mesmas depois dessa crise de uma maneira geral, e traz para as pessoas uma necessidade de pensar em poupar para subsistência e não apenas para se aposentar.

E é sim uma questão também de educação financeira e previdenciária para atender e ofertar planos previdenciários com mecanismos adequados tanto para as emergências quanto para o pós-carreira.

De um lado o aprendizado da sociedade, de outro lado, a revisão de um conceito no próprio mercado, independente dos planos ofertados ou dos tipos de investimento ou poupança, bem como dos termos e conceitos atuais, o que importa é que necessitamos ter um canal pra ajudar as pessoas a subsistir durante um determinado período de crise. Assim, o papel da previdência complementar deverá incorporar a formação de uma nova mentalidade: repensar hábitos de consumo e formas de reservas emergenciais. Para quem já tem esse hábito, a previdência se torna um ativo de investimento tanto para quem pensa em poupar para o futuro, quanto para quem pensa em reserva emergencial.

Vou citar um exemplo que observei nas primeiras semanas de março. Na Austrália, por exemplo, uma nova legislação emergencial permitiu um saque de até 20 mil dólares australianos, livres de impostos, da sua conta do Super Annuation (equivalente ao nosso PGBL) de todo cidadão que tenha tido uma redução de mais de 20% do seu salário.

Eu vejo que o novo papel da previdência complementar deve ser pensando ali na frente, depois desse momento de travessia, e nesse sentido eu penso que os fundos de pensão e os seus regulamentos devem ser ajustados com esse novo olhar, de permitir o acesso do participante ao pedaço da sua conta para que ele posso subsistir durante um determinado período.

Com esse acesso e essa flexibilidade, você vai atrair novos participantes, novos contribuintes pra esse processo, inclusive aquele jovem que até então não entrava no plano da empresa e que falamos dele aqui.

APEP: E outras situações poderiam ser mais flexibilizadas?

Felinto: Naturalmente encontraremos resistências a essa mudança de paradigma da previdência complementar ao questionar se, com essa flexibilidade toda, ainda poderíamos considerar isso como um plano de previdência, mas a ideia em discussão é dar ao participante a opção de sacar um montante durante a fase de acumulação com uma boa orientação de longo prazo. Após essa crise, acredito que a sociedade sairá mais madura e deve refletir sobre isso, sobre suas decisões de consumo e relacionamento.

Se é uma quebra de paradigmas, vamos quebrar outros, é olhar a formação de poupança de uma maneira diferente,  como uma ferramenta que possa ajudar as pessoas a se planejar para aposentadoria, mas tendo a segurança de que, em situações críticas ele pode acionar esse gatilho e não ter que fazer empréstimo bancário, por exemplo.

APEP: E como caminha esse trabalho com as entidades?

Felinto: Muitas entidades ainda estão esperando do legislador as medidas necessárias para que elas possam socorrer os participantes. Não dá para esperar. O pior vírus é o da paralisia e estar paralisado agora sem ter medidas que ajudem o mercado a promover as ações necessárias para proteção dos seus participantes e assistidos é o que precisamos agora. E o nosso papel enquanto APEP é provocar essa reflexão.

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